PROVA ORTOGRÁFICA
FEVEREIRO
A Ladeira
Era uma vez dois homens. Um era
alto, outro baixo. Um era gordo, outro magro. Um moreno, o outro ruivo. Um
tinha a voz muito grossa e outro uma borbulha na ponta do nariz. Um chamava-se
Manuel Francisco e o outro Francisco Manuel. E muito mais coisas poderia dizer
de cada um deles. Mas, o fundamental, é que eram muito diferentes um do outro.
Só numa coisa se assemelhavam: ambos eram tremendamente teimosos.
Na terra onde viviam havia uma
ladeira íngreme, inclinada, cheia de pedras e calhaus. Uma ladeira daquelas que
a gente só sobe ou desce quando não pode deixar de ser.
Um dia, um dos homens ia a
subir a ladeira quando o outro vinha a descê-la. Como é natural, encontraram-se
a meio. Bem… A meio, a meio, exatamente a meio, não tenho a certeza se foi.
Talvez tenha sido um bocadinho mais para cima ou um bocadinho mais para baixo.
Para a nossa história esse pormenor não tem grande importância e, por isso,
vamos fazer de conta que foi a meio.
Mais ou menos a meio da
ladeira, os dois homens encontraram-se, pararam à frente um do outro e
desataram a discutir. Um ia a subir e, por isso, achava que a ladeira era uma
subida. O outro vinha a descer e, pelo contrário, garantia que se tratava de
uma descida.
Sem chegar a acordo,
sentaram-se ali mesmo no chão para tirar a questão a limpo. Quem os conhecesse,
sabendo que eram homens de palavra fácil, capazes de inventar sólidas razões e
grandes argumentos, logo via que aquela discussão ia demorar. E demorou.
…
Passaram-se sete mil noites e
sete mil dias, os homens a discutir e o vento a trabalhar.
…
A certa altura, olharam em
volta, para um lado e para outro, até onde a vista podia alcançar.
Aperceberam-se então que a ladeira tinha desaparecido. Olharam um para o outro,
levantaram-se, cumprimentaram-se e, cheios de orgulho, afastaram-se cada um em
sua direção, ambos seguros de que tinham ganho a discussão.
José Fanha, A noite em
que a noite não chegou
Editor Campo das Letras
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